Conhecendo Paraty
Subtle voices in the wind. Hear the truth they’re telling. A world begins where the road ends.
Far Behind, Eddie Vedder
Introdução
Depois de um intenso ano de trabalho, e mais todos os percalços desse caótico 2020. Tiro uma semana de férias para relaxar, e prometer a mim mesmo que pensarei em tudo nesse período, exceto trabalho.
A cidade escolhida foi Paraty. Escolha motivada pelo seu ilustre cidadão, Amyr Klink, a primeira pessoa a realizar a travessia do Atlântico Sul a remo.
Confesso, que anteriormente a leitura dos livros do Amyr, quase não havia ouvido falar de Paraty. Posteriormente, me informei mais, e descobri que Paraty foi uma cidade central na história colonial do Brasil, principalmente no ciclo do ouro. Além disso, está situada numa região de beleza ímpar, com suas muitas baías, ilhas, cachoeiras e montanhas.
Paraty hoje é uma das cidades de arquitetura colonial mais preservada. Toda essa arquitetura é vista em um extenso bairro, o Centro Histórico. Formado por sobrados e igrejas dos séculos 17 a 19. Inclusive um dos herdeiros da extinta família real brasileira reside lá.
Pé na estrada
Dia 01, Praia de Jabaquara
Data de chegada, domingo. Paraty é uma cidade muito alvejada por turistas, querendo evitar a multidão, cheguei no contrafluxo. Após uma longa viagem de Macaé a Paraty, 10 horas ao todo. 5 dessas horas entre a capital fluminense e a cidade colonial.
No primeiro dia, visito algumas agêcias de turismos pra entender os possíveis passeios, durações e custos. Depois, como já estava no meio da tarde, fico o resto do dia em uma praia central da cidade, Jabaquara.
A praias centrais de Paraty são seus pontos fraco por terem águas escuras devido ao mangue, e não serem devidamente recomendadas para banho. Domingo, tracei meus planos para os próximos dias, e descansei o restante do tempo na confortável praia de Jabaquara.
Dia seguinte, hora de explorar um distinto distrito de Paraty, Trindade. A última demarcação fluminense antes de se iniciar o estado de São Paulo.
Dia 02, Trindade
Trindade conta com uma série de praias paradisíacas. Entre elas, a praia do Cachadaço, um dos poucos recantos para surfistas nas calmas praias de Paraty. Avançando na praia do cachadaço, por uma trilha fácil de uns 20 a 30 minutos, chega-se às piscinas naturais. Lugar super calmo, de águas cristalinas.
De manhã cedo, quase perdendo meu horário, sigo correndo para o terminal rodoviário. Ao chegar há tempo para o ônibus e ainda recuperando o fôlego, me deparo com uma moça levando uma mochila maior que sua estatura. Claramente, uma mochileira. Pergunto a ela, onde compra o ticket do ônibus, trocamos meia dúzia de palavras, e dali em diante consigo uma companhia para o resto do dia, que seguirá comigo até às piscinas naturais.
A chegarmos à Trindade, Somos surpreendidos por uma vila rústica, mas um tanto charmosa e bem preparada para o circuito turístico. No caminho, cruzando a praia do Meio e a praia do Cachadaço, logo chegamos às piscinas naturais. O dia estava nublado, turvando a água, mas não impedindo a surpreendente visita dos peixes.
Dia 03, Cachaças e cachoeiras
Cachaças e cachoeiras. As pessoas mais prudentes não recomendarão a combinação desses dois. Exceto em Paraty. Onde as montanhas são coladas à cidade. E consigo, trazem as cachoeiras e as fazendas. Muitas das fazendas são os denominados alambiques.
Esse dia, fiz um passeio turistão CVC. Fechei com um agência local um passeio de jeep. Passamos por 3 alambiques, intercalando com algumas cachoeiras, 5 no total. Entre os alambiques, Paratiana é o que mais se destaca, devido um dos seus fundadores ser um herdeiro da ex-família real e também o número de premiações conquistadas nos festivais de cachaças.
Cachaça é uma típica bebida brasileira, de teor alcóolico entre 39 e 45%. Alguns licores feito em cima da cachaça variam entre 20 e 30%. Paraty deu origem à famosa Gabriela, cravo e canela. Cada alambique produz sua própria versão de Gabriela, Labareda, e outras marcas.
Cachaça em Paraty é coisa séria e especializada. Somente o coração da cachaça é separado para o preparo da bebida. E se você está acostumado com pequenos shots, esqueça isso. Paraty é sobre degustação!. Todos os 3 alambiques ofereciam séries de degustação.
As cachoeiras são 5 quedas de 2 rios. A pedra branca e o Tarzan são as quedas principais. São pequenas quedas em uma preservada Mata Atlântica. Bonito de se ver, mais grandiosas que nas fotos. Contudo modestas cachoeiras ainda, comparado com outras que vi no Amazonas e em Goiás.
Dia 04, Ilhas e Centro Histórico
Continuando minha desventura de Turista CVC. Fechei um passeio de escuna, onde passaria por 3 ilhas, e andaria de barco por algumas baías em Paraty. Ou como os Caiçaras chamas, os Sacos!
As ilhas são totalmente fantásticas, águas translúcidas e tão calmas quanto uma jacuzzi.
No caminho de volta, tive o prazer de avistar a marina do engenho, que pertence a Amyr Klink. Lá estava seu lendário Paraty ii, o qual ele usou para sua primeira viagem à Antartica, onde ficou 1 ano atracado sozinho, e depois seguiu até o Ártico. Uma viagem de polo a polo. Paraty ii é o barco com o maior mastro.
Ah, o centro de Paraty, um bairro inteiro conservado com construções de sobrado, igrejas e outros monumentos do século 17 a 19. À noite eu tive a sorte de ter a companhia do seu Pipoca, nascido nos anos 60 em Paraty. Me deu uma aula sobre a história local.
Paraty foi fundada em meados de 1530 ou 1590, historiadores têm dúvida em relação a sua data de fundação. Ficamos quase uma hora conversando em frente a essa fonte, na qual constam marcas de perfuração em sua estrutura, ressaltando a famosa frase: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Um dos fenômenos que acontecem em Paraty, são as águas da maré avançarem sobre a cidade. A qual foi planejada para tal, com o intuito de limpar as ruas da cidade, já que existia uma alta circulação de pessoas e animais. Paraty era um dos principais entreposto comercial do Brazil. Dando saída ao ouro principalmente, mas também ao café e açúcar. Paraty foi o ponto final do histórico Caminho do ouro, ou Estrada real.
Um dos ilustres moradores de Paraty é um membro da ex-família real brasileira, João de Orleans e Bragança.
Paraty conta com uma agenda cheia de eventos ao longo do ano, os mais famosos são: Festival da Cachaça, o FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty e o Bourbon Festival Paraty (festival de Jazz).
Dia 05, Laranjeiras, Sono e Ponta Negra
Já no meu quinto dia da cidade, decidido a me aventurar por trilhas e natureza adentro. Saio do hostel com o destino de Saco Bravo em mente. Saco Bravo é uma encantadora cachoeira que deságua em mar aberto. 12 km de trilha me esperavam. Vamos correndo!.
Depois de uma hora na tranquila trilha para Praia do Sono, chego ao primeiro recanto paradisíaco. Praia do Sono destoa das outras praias ao redor, por ter uma enseada maior, extensa costa de areia, e um mar mais bravo. Existe uma vila local de pescadores que moram lá há gerações, em torno de 100 famílias hoje em dia. Após cruzar a extensa praia do Sono, quase 30 minutos de caminhada, e uma subida íngreme de 10 minutos, chego no mirante com o letreiro acima. A vista é encantadora.
De lá, a trilha continua passando pelas praias de Antigos, Antiguinhos, e por fim Ponta Negra. De Ponta Negra, tem-se o último caminho de 4 km até o Saco Bravo. Do mirante, eu só havia percorrido os primeiros 4 dos 12 km até a cachoeira. Pensando em completar a jornada por etapas, focava em chegar a Ponta Negra, antes de tudo.
Agora descendo o morro pra Antigos, me deparo com o que enfrentaria pela frente. Uma cobra, de 1 metro de comprimento, preta com listras verdes, cruzando à frente do meu caminho, e eu cruzando atrás do caminho dela.
Essa trilha, situada em Laranjeiras, tinha sido reaberto justamente aquele dia. Talvez eu fosse até a primeira pessoa a fazê-la depois de 5 meses de lockdown. Portanto, a mata estava começando a tomar conta da trilha, podendo haver presença de animais no caminho.
As praias de Antigos e Antiguinhos são desertas. Somente havendo moradores novamente na praia da Ponta Negra, que fica há mais 8km do início da trilha. Seus moradores se deslocam somente de lancha até Laranjeiras. Porntato ao contrário da primeira etapa até o Sono, que ainda continuava sendo usado pelos moradores, o caminho dali pra frente estava abandonado, literalmente.
Pondero por uns 5 minutos o que vou fazer, e decido seguir adiante. Na foto abaixo, cobra aparece fugindo.
Por mais de 1 hora de trilha, atravesso a Praia de Antigos e Antiguinhos. Faltando o resto do caminho, mais 2 km, para Ponta Negra de trilha tomada pela natureza. Obviamente, depois de ter visto a primeira serpente, eu fico muito mais precavido, e aumento minha atenção drasticamente, Reducindo muito minha velocidade de caminhada, e aumentando o esforço. Caminho por mais uma hora sozinho em meio à mata.
Até que subitamente ouço vozes humanas, depois de quase 2 horas caminhando sozinho na Mata Atlântica. Como é bom encontrar pares humanos novamente rsrs. Acontece que já próximo a comunidade da Ponta Negra existe a cachoeira da Galheta. Onde encontrei algum dos seus moradores, que me receberam muito bem, e ficaram um tanto surpreso por eu percorrer aquela trilha pra chegar lá. Já que a maioria dos turistas que eles recebem vêm de lancha de Laranjeiras até à comunidade.
Tomei banho por um tempo na cachu e depois, finalmente, cheguei à comunidade, com a companhia de seus moradores. Era próximo do meio-dia, não seria mais possível seguir para Saco Bravo, dado que são mais 2 horas de percurso, de acordo com os guias da comunidade. Os guias locais fazem o caminho com o turista obrigatoriamente. Eles saem no máximo às 9 horas.
Passei o resto do dia curtindo a praia, descansando, e conversando com outros turistas. Inclusive, encontrei um grupo que estava chegando da Travessia da Joatinga. Uma travessia de 4 dias, acampando em praias afastadas dos principais centros de Paraty, e muito pouco conhecida pelos turistas.
Dia 06, Saco do Mamanguá
Último dia em Paraty. Não havia mais tempo a perder, e queria muito conhecer essa grande cenário, Saco do Mamanguá. O único fiorde tropical do mundo.
Estava incerto se conseguiria chegar até o pico, dado que dependeria de ir de ônibus do centro de Paraty até Paraty-mirim. O ônibus passava somente em horários espaçados de 3 a 4 horas. Chegando lá precisaria ir de lancha até à Vila Cruzeiro, de onde se inicia a trilha até o Pico do Pão de Açúcar. Do seu topo vê-se todo o fiorde com seus 8 km de extensão.
Felizmente, a jornada deu certa de primeira. Peguei o ônibus das 06h50 na rodoviária de Paraty. Logo descendo em Paraty-mirim, há vários pilotos te ofertando a carona até Vila Cruzeiro. Acertei com um piloto no valor de 150 reais, ida e volta, fazendo o passeio sozinho. Já deixei agendei o horário de volta para às 15h, o que daria o tempo exato de pegar o ônibus de retorno para Paraty.
A trilha do pico do pão de açúcar é uma trilha moderada, contudo íngreme por toda sua extensão. Leva quase 1 hora pra fazê-la, seu pico tem aproximados 400 metros. Cheguei às 9 horas lá em cima, já estava um pouco quente. Ideal seria chegar mais cedo. Fiquei por uns 20 minutos, e desço pra aproveitar o resto do tempo na praia da Vila Cruzeiro, e também passear de caiaque pelo fiorde.
O passeio de caiaque foi fantástico, onde apreciei a vista do fiorde bem do seu meio. Esse fiorde é um grande piscinão de águas claras, uma mistura de Caribe com aquelas enseadas da Tailândia. Se não foi o lugar mais bonito que já vi, com certeza está disputando acirradamente. Fiquei remando com meu leve caiauqe por quase 2 horas, a esquecer do tempo.
Chegando na hora marcado pro ônibus de volta, regresso à Paraty. Agora em clima oficial de despedida, dou mais uma volta na cidade à noite para dizer aquele “até logo” a esse lugar ímpar e precioso do Brasil.